Para quando eu quiser escrever. Devaneios, verdades inventadas, escape... Qualquer faceta cabe aqui, inclusive a de ser mais um em busca de encontrar respostas para compreender a si mesmo.

terça-feira, 29 de março de 2011

Texto de Miguel Falabela


Trancar o dedo numa porta dói.
 Bater com o queixo no chão dói.
 Torcer o tornozelo dói.
 Um tapa, um soco, um pontapé, doem.
 Dói bater a cabeça na quina da mesa, dói morder a língua, dói cólica, cárie e pedra no  rim.
 Mas o que mais dói é a saudade.

 Saudade de um irmão que mora longe.
 Saudade de uma cachoeira da infância.
 Saudade de um filho que estuda fora.
 Saudade do gosto de uma fruta que não se encontra mais.
 Saudade do pai que morreu, do amigo imaginário que nunca existiu.
 Saudade de uma cidade.
 Saudade da gente mesmo, que o tempo não perdoa.
 Doem essas saudades todas.

 Mas a saudade mais dolorida é a saudade de quem se ama.
 Saudade da pele, do cheiro, dos beijos.
 Saudade da presença, e até da ausência consentida.
 Você podia ficar na sala e ela no quarto, sem se verem, mas sabiam-se lá.
 Você podia ir para o dentista e ela para a faculdade, mas sabiam-se onde.
 Você podia ficar o dia sem vê-la, ela o dia sem vê-lo, mas sabiam-se amanhã.

 Contudo, quando o amor de um acaba, ou torna-se menor, ao outro sobra uma saudade que ninguém sabe  como deter.
 Saudade é basicamente não saber.
 Não saber mais se ela continua fungando num ambiente mais frio.
 Não saber se ele continua sem fazer a barba por causa daquela alergia.
 Não saber se ela ainda usa aquela saia.
 Não saber se ele foi na consulta com o dermatologista como prometeu.
 Não saber se ela tem comido bem por causa daquela mania de estar sempre ocupada; se ele tem assistido às aulas de inglês, se aprendeu a entrar na Internet e encontrar a página do Diário Oficial; se ela aprendeu a estacionar entre dois carros; se ele continua preferindo Malzbier; se ela continua preferindo Margarita; se ela continua sorrindo com aqueles olhinhos apertados; se ela continua dançando daquele jeitinho enlouquecedor; se ela continua cantando tão bem; se ela continua detestando o Mc Donald's. Se ele continua amando; se ela continua a chorar até nas comédias.

 Saudade é não saber mesmo!
 Não saber o que fazer com os dias que ficaram mais compridos;
 Não saber como encontrar tarefas que lhe cessem o pensamento;
 Não saber como frear as lágrimas diante de uma música;
 Não saber como vencer a dor de um silêncio que nada preenche.
 Saudade é não querer saber se ela está com outro, e ao mesmo tempo querer.
 É não saber se ele está feliz, e ao mesmo tempo perguntar a todos os amigos por isso...
 É não querer saber se ele está mais magro, se ela está mais bela.
 Saudade é nunca mais saber de quem se ama, e ainda assim doer;
 Saudade é isso que senti enquanto estive escrevendo e o que você, provavelmente, está sentindo agora depois que acabou de ler...
                                                           Miguel Falabella

terça-feira, 22 de março de 2011

Umas e outras sobre o amor

  
           Lia algo que dizia que o amor não tem explicações.
          Continuei lendo e encontrei algumas:
          Não obedece regras nem tampouco se limita a definições baratas. Querido amor, paixão ou simplesmente: quem me faz feliz. Menos títulos, mais sentimento.
          É avesso a clichês. Adimite até que se mande flores, mesmo não se tendo motivos, nem datas específicas para isso.
          O amor não tem idade, raça nem credo. Perante ele até tabus, podem ser expirados.
          É generoso. Quanto mais se dá, mais se recebe...

          Nasce, geralmente, ao mesmo tempo para os dois. Mas, sempre acaba primeiro para um. Que o outro não seja o último a saber!
         Não se vive só de amor, assim como não se vive só de muitas coisas. Como qualquer outro sentimento, é necessário cuidar pra que sobreviva. Blá, blá, blá...

          (...)
          A verdade é que há sempre o que se comemorar quando se está amando: celebrar um novo dia; brindar com um amigo; gritar uma toada apaixonada; intensificar encontros...
          E mesmo quando os motivos não são tão comemoráveis assim, por causa do amor, têm-se ao menos razões para não reclamar (tanto, rs): do chefe, do trânsito, da vizinha, do síndico, dos impostos. E se a vontade for reclamar pra valer? Tem o amor pra escutar você.
         
          Pode ser cantado em poesia: soneto, sextilha, verso branco...
          Ou prosa: narrativas longas, protagonistas, desfechos emocionantes. Sem desfechos até.
         
          (...)
          (Re)invente o amor em você.
          Escreva longas cartas apaixonadas e entregue-as. Atravesse pontes de mãos dadas.
          Vislumbre coisas simples. Ria de si mesmo.
          Supere o medo e a decepção. Ultrapasse as barreiras da vergonha e do preconceito.
          Não aceite que lhe digam que não vale a pena acreditar no amor. Porque afinal de contas, a vida é mais interessante de se viver, quando se está amando.

sábado, 19 de março de 2011

Família, amigos e lembranças.


          Não há como negar que o dinheiro pode (pro)mover o homem a camadas sociais mais altas possíveis, em qualquer tempo. É inegável que quanto mais se tem, mais se quer. E nessa busca, às vezes, insensata, não só se deixa de usufruir o que já se conquistou com o dinheiro, como também aquilo que ele não pode comprar.
          Nada melhor que uma conta bancária recheada, um ciclo influente de parceiros profissionais, roteiros intermináveis de viagens, carros importados e restaurantes caros. Ser abastado na vida pode mesmo fazer a diferença. Exibir mulheres-prêmio,  desfilar grifes internacionais e gozar de privilégios, como comprar um apartamento de cobertura em um condomínio de luxo é para poucos.
          Para aqueles que não dispõem de tantas oportunidades, lhes restaram o aconchego da família, o caminhar pela praça ao fim do dia, o abraço sincero ao reencontrar um amigo e a lembrança de uma vida simples. Café quente com pamonha, banho de chuva, aniversário americano, lotação de ônibus para praia. Recordações que estampam porta retratos, que enfeitam as paredes das casas, também simples.
          O dinheiro pode comprar muitas coisas - inclusive as pessoas - e fazer o homem se sentir realizado. Tê-lo, no entanto, não é requisito para ser feliz. (...) Não quero dizer que quando se tem dinheiro não se tem família, amigos e lembranças. Mas se os que não tem, precisam encontrar motivos para também serem felizes, que seja ao menos com tudo aquilo que o dinheiro não compra.

quinta-feira, 17 de março de 2011

Música: becos, retratos e saudades.

Que a música é o alimento da alma sempre soube.
Ela resgata, desprende e faz-nos viajar por um mundo (des)conhecido que alguém, um dia, se propôs a nos apresentar. A música é bússola.
Às vezes, se faz de porta retrato para guardar boas recordações. Ela é um troféu.
Faz-nos vagar pelos becos das lembranças, caminhos jamais esquecidos. Agora é calendário.

A música alegra, contagia, nos tira do chão. A música é lança-perfume.
Nos arrebata, tão ferozmente, que chegamos a esquecer que estamos no mundo real. Ela é devaneio.
Nada melhor que uma bela canção para selar o enlace dos apaixonados. Matrimônio.
Música para dançar, namorar e se divertir. Originalidade.


Quantos momentos bons, já vivi, regados ao som de uma boa música.
Tantas demonstrações de amor recebi - em tom maior - através de mensagens de texto, cartas, cartões, em bilhetes deixados sobre a mesa.

Música no carro de som: parabéns pra você; no som do carro: já sei namorar; ao fundo de uma ligação: ainda bem que você vive comigo...
Música selecionada, música gravada, música compartilhada.

A música tem o poder de unir;
De transformar;
De reatar;
De acalmar.
De libertar.

Em qualquer situação cabe.
No começo, meio ou fim de um relacionamento.
Hino nacional.
Nas séries iniciais, na faculdade e no baile de formatura.
Na propaganda, na viagem, no corredor do apartamento.
No bar, na esquina, na estrada.
Na varanda, no quintal, na beira do mar.


Na dor, na saudade, no pensamento.
(...)
Na despedida, fúnebre, inclusive.

quarta-feira, 16 de março de 2011

Indagações

Por que o ser humano é tão decepcionante?
Por que cada um não constrói a sua própria felicidade?
Por que tememos tanto o julgamento social?
Por que tem pessoas que se julgam melhores (em quê?) que outras?

Por que não experimentamos o novo?
Por que temos tanto medo das perdas?
Por que não fazemos bom proveito das conquistas?
Por que queremos sempre mais?

Por que não nos ensinaram calar mais que falar?
Por que temos que nos conformar com o que não nos faz bem?
Por que nos disseram que é difícil recomeçar?
Por que preferimos agradar aos outros, e o pior, a nós mesmos, com a mentira?


Por que não aceitamos o diferente, ou ao menos respeitamos as diferenças?
Por que não nos inquietamos com a injustiça social, e se nos inquietamos o que fazemos para mudar isso?
Por que cada ser humano não perdoa mais vezes, inclusive a si mesmo?
Por que as pessoas são influenciáveis?

Por que é tão difícil se encontrar pessoas generosas?
Por que se está a todo tempo lamentando o tempo que passou?
Por que não aproveitamos mais a vida?
Por quê?

quarta-feira, 2 de março de 2011

Angústia

Nada sufoca mais que dar satisfação a si mesmo.

Nada sufoca mais que se ter a sensação de que os dias estão passando e você não está fazendo aquilo que devia pra ser alguém melhor, seja no trabalho, na escola ou no amor...

     Aos outros, uma mentira qualquer; uma verdade inventada; uma desculpa esfarrapada.
     "Mentir pra si mesmo, é sempre a pior mentira". Utilizando-me desse trecho da música de Renato Russo, não quero aqui referir-me apenas a mentiras proferidas, mas sobretudo as não ditas. Digo isso sem medo de ser contraditório, já que tantas vezes nos falta a coragem para ao menos mentir.

     Mentir aqui, significa adiar as decisões; ficar apenas nos planos; dar desculpas - a si mesmo - por ser sempre insensato diante de tanta coisa que requer um posicionamente, uma atitude enérgica ou uma simples mentira.

(...)

     É necessário abandonar o estágio alheio de ser, de ficar por fora de tudo que (nos) acontece.
     É curioso inquietar-se, principalmente se isso lhe ajudar a construir opiniões.
     É hora de se fazer perceber e perceber o grande mistério que é viver.
    

terça-feira, 1 de março de 2011

Restos de Carnaval

Não, não deste último carnaval. Mas não sei por que este me transportou para a minha infância e para as quartas-feiras de cinzas nas ruas mortas onde esvoaçavam despojos de serpentina e confete. Uma ou outra beata com um véu cobrindo a cabeça ia à igreja, atravessando a rua tão extremamente vazia que se segue ao carnaval. Até que viesse o outro ano. E quando a festa ia se aproximando, como explicar a agitação íntima que me tomava? Como se enfim o mundo se abrisse de botão que era em grande rosa escarlate. Como se as ruas e praças do Recife enfim explicassem para que tinham sido feitas. Como se vozes humanas enfim cantassem a capacidade de prazer que era secreta em mim. Carnaval era meu, meu.
No entanto, na realidade, eu dele pouco participava. Nunca tinha ido a um baile infantil, nunca me haviam fantasiado. Em compensação deixavam-me ficar até umas 11 horas da noite à porta do pé de escada do sobrado onde morávamos, olhando ávida os outros se divertirem. Duas coisas preciosas eu ganhava então e economizava-as com avareza para durarem os três dias: um lança perfume e um saco de confete. Ah, está se tornando difícil escrever. Porque sinto como ficarei de coração escuro ao constatar que, mesmo agregando tão pouco à alegria, eu era de tal modo sedenta que um quase nada já me tornava uma menina feliz.
E as máscaras?

Eu tinha medo mas era um medo vital e necessário porque vinha de encontro à minha mais profunda suspeita de que o rosto humano também fosse uma espécie de máscara. À porta do meu pé de escada, se um mascarado falava comigo, eu de súbito entrava no contato indispensável com o meu mundo interior, que não era feito só de duendes e príncipes encantados, mas de pessoas com o seu mistério. Até meu susto com os mascarados, pois, era essencial para mim.
Não me fantasiavam: no meio das preocupações com minha mãe doente, ninguém em casa tinha cabeça para carnaval de criança. Mas eu pedia a uma de minhas irmãs para enrolar aqueles meus cabelos lisos que me causavam tanto desgosto e tinha então a vaidade de possuir cabelos frisados pelo menos durante três dias por ano. Nesses três dias, ainda, minha irmã acedia ao meu sonho intenso de ser uma moça – eu mal podia esperar pela saída de uma infância vulnerável – e pintava minha boca de batom bem forte, passando também ruge nas minhas faces. Então eu me sentia bonita e feminina, eu escapava da meninice.
Mas houve um carnaval diferente dos outros. Tão milagroso que eu não conseguia acreditar que tanto me fosse dado, eu, que já aprendera a pedir pouco. É que a mãe de uma amiga minha resolvera fantasiar a filha e o nome da fantasia era no figurino Rosa. Para isso comprara folhas e folhas de papel crepom cor-de-rosa, com as quais, suponho, pretendia imitar as pétalas de uma flor. Boquiaberta, eu assistia pouco a pouco à fantasia tomando forma e se criando. Embora de pétalas o papel crepom nem de longe lembrasse, eu pensava seriamente que era uma das fantasias mais belas que jamais vira.
Foi quando aconteceu, por simples acaso, o inesperado: sobrou papel crepom, e muito. E a mãe de minha amiga – talvez atendendo a meu apelo mudo, ao meu mudo desespero de inveja, ou talvez por pura bondade, já que sobrara papel – resolveu fazer para mim também uma fantasia de rosa com o que restara de material. Naquele carnaval, pois, pela primeira vez na vida eu teria o que sempre quisera: ia ser outra que não eu mesma.
Até os preparativos já me deixavam tonta de felicidade. Nunca me sentira tão ocupada: minuciosamente, minha amiga e eu calculávamos tudo, embaixo da fantasia usaríamos combinação, pois se chovesse e a fantasia se derretesse pelo menos estaríamos de algum modo vestidas – à idéia de uma chuva que de repente nos deixasse, nos nossos pudores femininos de oito anos, de combinação na rua, morreríamos previamente de vergonha – mas ah! Deus nos ajudaria! Não choveria! Quanto ao fato de minha fantasia só existir por causa das sobras de outra, engoli com alguma dor meu orgulho que sempre fora feroz, e aceitei humilde o que o destino me dava de esmola.
Mas por que exatamente aquele carnaval, o único de fantasia, teve que ser tão melancólico? De manhã cedo no domingo, eu já estava de cabelos enrolados para que até de tarde o frisado pegasse bem. Mas os minutos não passavam, de tanta ansiedade. Enfim, enfim! Chegaram três horas da tarde: com cuidado para não rasgar o papel, eu me vesti de rosa.
Muitas coisas que me aconteceram tão piores que estas, eu já perdoei. No entanto essa não posso sequer entender agora: o jogo de dados de um destino é irracional? É impiedoso. Quando eu estava vestida de papel crepom todo armado, ainda com os cabelos enrolados e ainda sem batom e ruge – minha mãe de súbito piorou muito de saúde, um alvoroço repentino se criou em casa e mandaram-me comprar depressa um remédio na farmácia. Fui correndo vestida de rosa – mas o rosto ainda nu não tinha a máscara de moça que cobriria minha tão exposta vida infantil – fui correndo, correndo, perplexa, atônita, entre serpentinas, confetes e gritos de carnaval. A alegria dos outros me espantava.

Quando horas depois a atmosfera em casa acalmou-se, minha irmã me penteou e pintou-me. Mas alguma coisa tinha morrido em mim. E, como nas histórias que eu havia lido sobre fadas que encantavam e desencantavam pessoas eu fora desencantada; não era mais uma rosa, era de novo uma simples menina. Desci até a rua e ali de pé eu não era uma flor, era um palhaço pensativo de lábios encarnados. Na minha fome de sentir êxtase, às vezes começava a ficar alegre mas com remorso lembrava-me do estado grave de minha mãe e de novo eu morria.
Só horas depois é que veio a salvação. E se depressa agarrei-me a ela é porque tanto precisava me salvar. Um menino de uns 12 anos, o que para mim significava um rapaz, esse menino muito bonito parou diante de mim e, numa mistura de carinho, grossura, brincadeira e sensualidade, cobriu meus cabelos já lisos, de confete: por um instante ficamos nos defrontando, sorrindo, sem falar. E eu então, mulherzinha de 8 anos, considerei pelo resto da noite que enfim alguém me havia reconhecido: eu era, sim, uma rosa.
Clarice Lispector
Felicidade clandestina. Rio de Janeiro:Rocco, 1998.